domingo, 27 de julho de 2008

Prevenção ainda incipiente cria receio de um Verão com muitos incêndios


Depois dos sustos de 2003 e 2005, a floresta está hoje preparada para se defender dos incêndios? Se os números valessem por si, a resposta não seria desanimadora.
Até meados de Maio passado, dos 308 municípios do país, 240 já tinham gabinetes técnicos florestais, 274 possuíam comissões de defesa da floresta contra incêndios e existiam 247 planos municipais contra os fogos. Também já havia 170 planos operacionais municipais e 263 brigadas de sapadores bombeiros. Este ano foi feita a gestão de combustíveis em 300 mil hectares de espaços de maior risco, incluindo o uso do fogo controlado em 1600 hectares. As zonas de intervenção florestal (ZIF) cobrem 120 mil hectares e há 271 planos de gestão florestal.Só que os números não dizem tudo. O próprio secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, Ascenso Simões, mesmo elogiando o trabalho já feito, é o primeiro a reconhecer que ainda há muito por fazer. "O que interessa é o sentido", afirma.Plano avança devagarO Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, aprovado em 2006, está a avançar bem em algumas áreas, mas a falhar em outras. Publicamente, não se sabe ao certo em que ponto está, pois a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) não fez o relatório de acompanhamento do plano relativo a 2007, e este devia ser anual. Ascenso Simões diz que a culpa foi da reestruturação da administração pública na área das florestas, que terá atrasado o processo, e promete para este ano um balanço completo dos primeiros três anos (2006-2008). Depois, garante, será retomada a periodicidade anual.No seu relatório sobre os fogos do ano passado - um ano em que as condições meteorológicas foram excepcionalmente favoráveis - a DGRF considera, porém, que algumas metas do plano "foram já atingidas" ou "encontram-se muito próximas do objectivo". A começar pela área ardida, que em 2007 se ficou pelos 31.450 hectares, bem abaixo do limite de 100.000 hectares fixado para 2012. Houve menos incêndios com mais de um hectare de área ardida e apenas dois com mais de mil hectares. Em 87 por cento das ocorrências, a primeira intervenção chegou em menos de 20 minutos. O número de fogos que duraram mais de um dia foi inferior à meta para 2012.Seria motivo para alívio, não tivesse sido 2007 o tal ano com um Verão clemente. Choveu em todos os meses de Maio a Setembro. O mês com maior número de fogos, aliás, foi Novembro, com 30 por cento da área ardida no ano todo. Muitos dizem que o grande teste das medidas de prevenção de fogos ainda aguarda um ano de condições climatéricas difíceis. Ou mesmo normais.A esperança das ZIFUma das acções de maior impacto na reforma estrutural da floresta, a criação das zonas de intervenção florestal (ZIF), está a ter resultados mistos. Idealizadas há quatro décadas, mas só agora postas em prática, as ZIF aglutinam várias propriedades privadas, que são geridas em comum por uma única entidade.Até agora, foram já criadas 18 ZIF, somando uma área de quase 120 mil hectares (ver infografia). São ainda apenas 3,5 por cento da área florestada do país. Mas o Governo, que fixou uma meta de 500 mil hectares de ZIF até 2012, está satisfeito com o ritmo. "É um trabalho gigantesco", afirma o secretário de Estado Ascenso Simões.Não há ainda uma avaliação do impacto das ZIF já criadas. Mas há exemplos de problemas. Na primeira a ser aprovada, em Oliveira do Hospital, a falta de cadastro das propriedades impediu que se fizesse qualquer acção prática de prevenção de fogos.A adesão às ZIF tem sido mais fácil em áreas de influência de associações de produtores florestais, mas convencer pequenos proprietários avulsos a juntarem-se é bem mais difícil. Basta verificar que, no concelho da Pampilhosa da Serra, o mais afectado em 2005, com 18 mil hectares de área ardida, não há uma única ZIF. A câmara municipal fez acções de sensibilização com os proprietários florestais, nas juntas de freguesia e até em Lisboa, onde vivem 30 a 35 mil pessoas oriundas do concelho. "O resultado foi praticamente nulo", lamenta o vice-presidente da câmara, Jorge Custódio: ninguém quer apostar na floresta, sabendo que dentro de cinco a dez anos pode arder tudo novamente. "As pessoas estão completamente massacradas", afirma.É algo normal, pois nem a madeira queimada de 2005 foi retirada. Entretanto a vegetação já cresceu, deixando o concelho novamente numa situação vulnerável. Além disso, poucos são os proprietários que têm limpo as matas ao redor das zonas urbanizadas. "O cenário continua negro", diz Jorge Custódio.O medo persisteO panorama é outro em Silves, no Algarve, concelho muito afectado em 2003 e 2004. Os proprietários rurais, no actual momento de crise económica, voltaram a valorizar o campo. "Existem zonas do concelho que há muitos anos que não eram cultivadas", afirma a presidente da câmara, Isabel Soares. "Há também maior reflorestação."A limpeza das matas "é visível", segundo a autarca. Ainda assim, Isabel Soares não está completamente descansada: "Não se pode dizer que não vamos ter um novo inferno como o de 2003/2004."Ninguém está descansado. "Tememos que ocorram incêndios com grande severidade porque foi um ano chuvoso, cresceu muito mato que ainda está verde, mas começa a secar. Se estas temperaturas continuarem até Agosto, pode ser grave", previne Hugo Jóia, da Federação dos Proprietários Florestais de Portugal. Até porque boa parte da floresta nacional, sobretudo nas áreas de minifúndio, continua sem gestão activa. Ecosfera
21.07.2008
Ricardo Garcia, Ana Fernandes

Nenhum comentário: