Mulheres que apagam fogos
São os homens que continuam a apagar a maior parte dos incêndios na região. Mas as mulheres vão entrando aos poucos nas zonas operacionais e mostram valor.
O alarme soa no quartel dos Bombeiros Voluntários de Alcanede, concelho de Santarém. Um incêndio lavra no Covão dos Porcos no vizinho parque da Serra de Aire e Candeeiros. A bombeira Vera Pereira, 22 anos, é a única mulher a ocupar posição na viatura com uma guarnição de cinco elementos. Combatem na frente do incêndio quando ficam cercados por causa da mudança do vento. Depois da viatura protegida resta à bombeira deitar-se sobre o alcatrão à espera que as labaredas varram a área. “É nessas alturas que vejo a vida a passar-me pela cabeça em segundos”, confessa a bombeira que não balança com as situações limite por que já passou ao longo de oito anos.
O incêndio do Covão dos Porcos aconteceu numa tarde de Agosto do ano passado. Mas a situação poder-se-ia ter repetido em qualquer dos 40 incêndios que Vera Pereira ajudou a apagar em 2006 com a ajuda dos bombeiros do sexo masculino. São eles que continuam a encher os quartéis de toda a região.
Segundo dados do comando operacional de Santarém as mulheres representam apenas vinte por cento do total de efectivos das 28 corporações do distrito. “Só nos anos 80 se deu o grande boom”, revela o comandante operacional distrital, Joaquim Chambel. E quando se fala cargos de comando o cenário torna-se ainda mais negro. Apenas uma tem essa categoria no distrito de Santarém. É Lucília Coimbra, adjunta de comando dos Bombeiros Municipais de Santarém . “Os bombeiros são reflexo do que acontece no resto da sociedade”, diz o coordenador sobre a escassa participação das mulheres.
Em Alcanede existem 16 mulheres bombeiros para 68 homens. O comandante da corporação, Paulo Santos, revela que muitas as mulheres bombeiras fazem uma pausa de dois anos depois do parto. “E raramente voltam ao quartel”, constata ressalvando que há casos de operacionais femininas que conseguem conciliar os bombeiros e a família.
Foi curiosamente um elemento feminino que o comandante indicou para frequentar um curso avançado de socorrista durante sete semanas. A escolha recaiu sobre Vera Pereira. “É um dos elementos a quem entrego qualquer missão com toda a confiança”, garante o operacional que considera que as mulheres da corporação fazem o trabalho tão bem ou melhor que os homens. Mesmo instaladas em condições precárias, como acontece em Alcanede. Sempre que há alerta para uma emergência durante a noite um dos operacionais tem que sair das instalações para avisar os elementos femininos de serviço. É lá fora, frente à porta principal, que está montado o contentor onde as bombeiras pernoitam. Um autêntico caixote com duche e três camas que serve de camarata feminina que vai funcionar até que esteja pronto o novo quartel.
Nada que desmotive a bombeira Vera Pereira, natural de Rio Maior, que aos 16 anos rumou ao concelho vizinho depois de ver fechada a porta da corporação da terra que não possuía efectivo feminino. “Disseram-me que não aceitavam mulheres”, recorda. A vizinha do quartel dos bombeiros, habituada desde cedo ao barulho das sirenes, não desistiu. Rumou a Alcanede e superou as provas físicas e escritas sobre como montar escadas, linhas de água, trabalhar com extintores e aparelhos respiratórios. Depois da especialização em socorro vai ficar mais ligada ao serviço de saúde, mas a sua grande paixão é apagar fogos. Seja à agulheta ou a puxar a mangueira. É nessas alturas que a adrenalina sobe e o espírito de grupo atinge o esplendor. Em Verões intensos os bombeiros apagam fogos durante dias e é preciso não deixar esmorecer os camaradas. “Temos que falar sempre uns com os outros e dar força”. Desistir é palavra que nunca se ouve. O Mirante
Por: Ana Santiago
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